fitofarmacovigilância


Qual é a Importância do Citocromo P450 nas Interações entre Fármacos e Plantas?

18/02/2013 12:05

Por Julino Soares

 

Em muitos países as reações adversas a medicamentos (RAMs) estão entre as principais causas de mortalidade, sendo as RAMs originadas de interações farmacológicas um importante fator de risco (WHO, 2004).

As interações podem ser causadas pela administração simultânea de outros fármacos, plantas medicinais, alimentos, álcool, tabagismo e até substâncias presentes no ambiente.  E podem modificar o efeito de um fármaco de forma benéfica ou adversa pelo aumento do efeito farmacológico ou inibindo o seu efeito terapêutico (Morales-Olivas y Estañ, 2006; Sucar, 2007).

O conhecimento detalhado da biotransformação dos fármacos é fundamental para que se possa conhecer, em grande parte, seu comportamento farmacocinético e a variabilidade individual nas interações farmacológicas (Pelkonen et al., 1998).

A maioria dos medicamentos são biotransformados no fígado por sistemas enzimáticos, especialmente pelas enzimas do citocromo P450 (CYP).  Estas enzimas são responsáveis pela inativação de xenobióticos (substâncias estranhas ao organismo) que estão presentes no ambiente, na dieta e/ou fármacos que poderiam se acumular causando toxicidade. Trata-se de um sistema de defesa essencial presente nos seres humanos e outras espécies (Gonzalez and Tukey, 2006).

Existem mais de 50 enzimas do CYP identificadas nos seres humanos, das quais, apenas 12 enzimas são reconhecidas como metabolizadoras de xenobióticos (pertencentes às famílias CYP1, CYP2 e CYP3), sendo que as enzimas mais ativas pertencem às subfamílias CYP2C, CYP2D e especialmente a CYP3A, onde a isoforma 3A4 é a mais abundante e está envolvida na biotransformação de cerca de 50% dos fármacos. Entretanto, fatores que modificam a expressão dessas isoenzimas e polimorfismos genéticos, por exemplo, resultam na diminuição ou aumento da capacidade de biotransformação dos fármacos; consequentemente, o fármaco pode ter um efeito tóxico ou não apresentar nenhum efeito terapêutico (Xu et al., 2005; Gonzalez and Tukey, 2006).

Diversos estudos tem demostrado a capacidade de algumas plantas medicinais modificarem a atividade do CYP por diferentes mecanismos, podendo, assim, alterar a resposta de um fármaco. Utilizamos como exemplos destas interações o Hypericum perforatum L. (hipérico), Allium sativum L. (alho) e Valeriana officinalis L. (valeriana), por seus amplos usos como fitoterápicos e na medicina popular, conforme descrito abaixo:

 

Hypericum perforatum L.: Indução de enzimas biotransformadoras de diversas drogas, incluindo algumas isoenzimas CYP (CYP3A4 em particular). Interações clinicamente importantes foram relatadas com ciclosporina, digoxina, inibidores de protease- HIV, NNRTIs, contraceptivos orais, tacrolimus, teofilina e varfarina. Há também a possibilidade de uma interação com antiepilépticos (Micromedex, 2013).

Allium sativum L.: Alguns estudos indicaram que o alho pode ser inibidor e/ou indutor de várias enzimas CYP (ex., CYP3A4). Essa modulação do CYP é dependente do perfil químico do alho, regime de dose, entre outros. O alho pode aumentar a biodisponibilidade dos relaxantes musculares, potencializar os efeitos terapêuticos e adversos dos hipoglicemiantes, provocar hemorragias quando administrado juntamente com anticoagulantes orais e antiplaquetários e reduzir a biodisponibilidade dos antiretrovirais inibidores de protease. (Zhou et al., 2003; Alexandre et al., 2008).

Valeriana officinalis L.: Alguns estudos indicam que doses excessivas dos extratos podem reduzir a expressão das isoformas CYP3A4, CYP2D6 e CYP2C19. A valeriana pode aumentar os efeitos adversos dos benzodiazepínicos, reduzir a biodisponibilidade dos fármacos biotransformados pelo CYP3A4 e provocar hemorragias graves quando utilizada juntamente com anticoagulantes orais e antiplaquetários. (Alexandre et al., 2008).

 

Portanto, torna-se evidente que o conhecimento das  vias de biotransformação de produtos herbários e sua ação sobre a atividade do CYP também podem contribuir para a compreensão das interações medicamentosas, e consequentemente promover uma melhor prescrição (ex., evitando algumas associações) e auxiliar na atividade das agências reguladoras que podem inserir alertas nas bulas dos fitoterápicos.

 

REFERÊNCIAS

Alexandre RF, Bagatini F, Simões, CMO. Potenciais interações entre fármacos e produtos à base de valeriana ou alho. Revista Brasileira de Farmacognosia. 2008; 18(3): 455-463, Jul./Set.

Gonzalez FJ, Tukey RH. Metabolismo dos Fármacos. In: Brunton LL, Lazo JS, Parker, KL. In: Goodman & Gilman, As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 11. ed. Rio de Janeiro: McGraw Hill. 2006. p. 65-83.

Micromedex Healthcare Series [Internet database]. Thomson Reuters Healthcare Web site. Disponível em: . Acesso em: 02/02/2013.

Morales-Olivas F, Estañ L. Interacciones medicamentosas. Nuevos aspectos. Med Clin (Barc). 2006; 127(7):269-75

Pelkonen O, Mäenpää J, Taavitsainen P, Rautio A, Raunio H. Inhibition and induction of human cytochrome P450 (CYP) enzymes. Xenobiotica. 1998; 28(12):1203-53.

Sucar DD. Fundamentos de interações medicamentosas dos psicofármacos com outros medicamentos da clínica médica – Revisada e Ampliada. São Paulo: Lemos Editorial, 2007.

World Health Organization. WHO Policy Perspectives on Medicines — Pharmacovigilance: ensuring the safe use of medicines. 2004

Xu C, Li CY, Kong AN. Induction of phase I, II and III drug metabolism/transport by xenobiotics. Arch Pharm Res. 2005; 28(3):249-68.

Zhou S, Gao Y, Jiang W, Huang M, Xu A, and Paxton JW. Interactions of herbs with cytochrome P450. Drug Metab Rev. 2003; 35: 35-98.

 

Veja também a versão em PDF: Qual é a Importância do Citocromo P450 nas Interações entre Fármacos e Plantas.pdf (137,5 kB)

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